Parques eólicos destroem plantações, criação de animais e forçam agricultores para êxodo rural |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista, conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
Em Caetés, cidade de 28 mil habitantes a 245 km do Recife, local de nascimento do presidente Lula da Silva, a energia eólica virou o maior problema, segundo reportagem da BBC News Brasil.
Em 2014, foram instalados dois parques de geração de energia com 220 torres nas comunidades rurais de Sobradinho e Pau Ferro, agreste de Pernambuco,.
Eles se transformaram numa tortura para 120 famílias de pequenos agricultores que vivem bem perto delas sofrendo o barulho alto e ininterrupto dos aerogeradores em uma área acostumada ao silêncio da roça e ao som dos animais da caatinga.
“Vocês venham morar debaixo delas para você ver o barulho por 24 horas, dia e noite. É esse zupo, zupo, zupo… Precisa a pessoa ser forte, forte de Deus, não é de carne e feijão, não”, diz Acácio Noronha, que vive num sítio de um hectare desde que nasceu, há 64 anos.
Os moradores relataram à BBC News Brasil que as torres fomentam ansiedade, insônia e depressão. Também falam dos sustos causados pelas sombra das hélices, divisão de famílias e a saída forçada de suas fazendas.
As duas comunidades ficam a cerca de 10 km da réplica da casa de Dona Lindu, mãe de Lula, em Caetés, onde o presidente nasceu. Em Caetés fala-se bastante dele em tom de preocupação.
Há mais de 1.000 desses parques no Brasil.
Moradores de Sobradinho e Pau Ferro estão viajando a cidades do Nordeste para apresentar sua experiência e convencer agricultores a não cederem suas terras, enquanto moradores de outros municípios vão a Caetés para ouvir os relatos.
Os moradores de Borborema, na Paraíba, desistiram de ceder suas terras para a instalação de parques na cidade e a Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica) reconhece os problemas de Caetés.
'Quando chegou o aerogerador, a vida ficou insuportável” |
Numa casa rodeada por aerogeradores, Edna Pereira, de 44 anos, diz tomar quatro remédios para dormir, além de outros para controlar a ansiedade e a dor de cabeça.
“Os médicos estão aumentando os miligramas. O remédio para dor de cabeça era de 25 miligramas, agora é de 100. O para ansiedade era de 10, agora é de 150. O remédio para dormir era só um, agora são quatro. E, mesmo assim, não consigo dormir”, diz ela segurando uma caixa de medicamentos.
“O barulho delas fica dentro do meu ouvido. Posso ir para onde eu for, que o barulho fica no meu ouvido. Não sai, não sai”, acrescentou à BBC News Brasil.
Wanessa Gomes, professora de Saúde Coletiva da Universidade de Pernambuco (UPE), explica que ela e seus orientandos da pós-graduação iniciaram uma pesquisa, além de uma residência médica, para medir o impacto das torres na saúde da comunidade e narra:
“Há relatos fortes de que as pessoas não estão mais conseguindo ouvir como antes. Hoje mesmo, uma senhora contou que não dialoga mais com o filho dentro de casa, porque não consegue mais escutá-lo. E ela tem 52 anos”.
Alguns apontam para a relação entre ruídos, insônia e perda auditiva. E o problema é mundial. Na Holanda, alguns pesquisadores acham que os ruídos não causam problemas de saúde mental, mas, outro grupo de cientistas contesta essa conclusão, afirmando que há muitos indícios de prejuízos à saúde, além de apontar que a pesquisa inicial havia sido bancada por empresas de energia eólica.
Edna Pereira mostra as caixas dos remédios que usa continuamente |
No Brasil, a executiva Elbia Gannoum, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), reconhece os problemas de Caetés que passaram pela mão de várias empresas e são antigos mas não há certeza de que as novas tecnologias afastem a causa dos danos à saúde e ao relacionamento social.
A empresa Echoenergia que assumiu Pau Ferro em 2017, realizou estudos na região e defende a “pressão sonora” das torres.
O prefeito de Caetés, Nivaldo Martins (Republicanos) tem o gabinete decorado com imagens de torres eólicas, e acha que trazem mais benefícios à prefeitura do que problemas especialmente pecuniários.
Mas Simão Salgado, de 74 anos, teve que deixar seu sítio porque não conseguiu mais viver perto das torres.
“A gente vivia com muita tranquilidade, minha propriedade era referência em agricultura familiar e na preservação da caatinga. Com a chegada dos parques, a gente deixou de receber visitas, de produzir, e ultimamente, tive que me afastar”. Minha mulher teve um sério problema de saúde, entrou em uma depressão, em uma ansiedade… Não tive escolha.”
Os parques de energia eólica estão piorando a vida das famílias de agricultores no agreste |
Seu filho, José Salgado, de 41 anos, que resolveu ficar cercado por 11 torres está mudando de ideia.
“Comecei com remédios para dormir, mas desisti porque não queria ficar viciado”, explica.
Em Sobradinho, há casos de famílias que nunca mais se falaram depois da instalação dos parques: uma parte saiu da roça com o dinheiro, enquanto a outra, que ocupa o terreno ao lado, sofre as consequências dessa escolha.
Já o medo das torres afeta essas famílias até na hora de plantar.
“Funcionários da manutenção nos disseram que há cabos elétricos no solo e que há risco de descargas elétricas. Então, a gente não planta mais como antes”, diz Roselma Oliveira, de 35 anos, que se tornou a principal liderança dos agricultores de Sobradinho.
O antropólogo Alexandre Gomes Vieira, de 30 anos, também registra acidentes, envolvendo pássaros nativos da caatinga que se chocam contra as torres.
“Constatamos que muitas aves, como gaviões, águias e codornas são atraídas pelas hélices e acabam colidindo com as torres, diminuindo a incidência de espécies que já são raras. Os agricultores relatam que não ouvem mais o canto de alguns pássaros, como o acauã e a mãe da Lua, que têm uma simbologia religiosa”, explica.
A sombra das torres pode aparecer como miniatura ou com vários metros |
Acácio Noronha explica: “estou deitado de manhã, tentando dormir, aí vejo um vulto assim. Olha ela ali de novo...”, diz.
Se o presidente aparecesse em Sobradinho, Acácio lhe diria: “se eu não estivesse muito emocionado e nervoso como estou agora, eu só diria assim: ‘Homem, dê um jeito de tirar nós. Nós, a população da nossa comunidade, estamos debaixo dessas torres'”, recolheu a BBC News Brasil.