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domingo, 12 de junho de 2022

'Agronegócio' na Amazônia em cidades com pirâmides e estradas séculos atrás?

Escaneios com raios laser (LIDAR) de Cotoca revelam estruturas ceremoniales e estradas radiais (Prümers et al., Nature, 2022)
Escaneios com raios laser (LIDAR) de Cotoca revelam estruturas cerimoniais
e estradas radiais (Prümers et al., Nature, 2022).
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs







Em outros posts temos tratado das “civilizações perdidas” da Amazônia. Essas não têm nada de ficção, civilizações que se desenvolveram nessa região há muitos séculos deixaram vestígios relevantes que vêm sendo postos à luz por arqueólogos e cientistas, cujos estudos estão sendo divulgados na imprensa internacional. Cfr. Clarín.


Paradoxalmente essas civilizações indígenas modificaram o meio ambiente e fizeram progressos civilizacionais na linha que tenta fazer o agronegócio com recursos modernos. Os inimigos do atual progresso silenciam aqueles progressos autóctones afins com os atuais.

As descobertas ainda incipientes de centenas de aldeamentos ou cidades com até pirâmides junto uma intrincada rede de estradas, sistemas de exploração agrícola e ictícola, etc., desmente a falsa ideia de os atuais pobres silvícolas serem a mais pura destilação do meio ambiente.

Antes bem, os achados apontam que eles são continuadores muito decadentes de antepassados que criaram civilizações relevantes.

Certa feita apresentando ao Prof. Plinio Corrêa de Oliveira um vídeo da grande maloca montada na Floresta da Tijuca durante a ECO-92 somente acessível a indígenas, ele comentou os cocares que exibiam nas danças. Ele observou a beleza das plumas escolhidas e sua feliz combinação, e dali deduziu a hipótese de eles provirem de um passado cultural requintado.

Alguém presente que estudou seus dialetos falou que malgrado a extremada pobreza de vocábulos, para certas realidades tinham várias palavras para exprimir matizes diversos.

Nessa sutileza verbal, o Dr. Plinio apontou para a mesma hipótese de linguagens outrora requintadas das quais só ficam vestígios após séculos de decadente degradação.
A equipe autora do trabalho
A equipe autora do trabalho

Agora uma equipe de arqueólogos do Instituto Arqueológico Alemão liderado pelo arqueólogo Heiko Prümers usou lasers montados em helicópteros identificou 26 locais, alguns deles com pirâmides, metade dos quais eram desconhecidos pelos arqueólogos.

Os “aldeamentos” ou “cidades” não são visualizáveis pelo olho humano pois estão cobertos pela floresta, mas foram identificados com a tecnologia LIDAR, um método de sensoriamento remoto que varre a superfície da Terra usando lasers aéreos e permite “ver” o que há por baixo da vegetação. O método foi exitosamente testado na América Central para detectar cidades maias desaparecidas.

Os 26 sítios achados pertenceram à “cultura Casarabe” que se desenvolveu entre 500 e 1400 d.C. na região de Llanos de Mojos, no norte da Bolívia.

Prümers e seus colegas publicaram num novo estudo, citado por Science Alert, onde afirmam que os aldeamentos achados são mais um exemplo de como a região amazônica abrigou grandes assentamentos com sociedades hierarquizadas.

As monumentais ruínas pertenceram a uma sociedade agrícola com propensão à cosmologia. O interesse pela cosmologia que se reflete especialmente no desenho das cidades e estradas nos fala de uma cultura relevante.

“Nossos resultados descartam argumentos de que a Amazônia ocidental era escassamente povoada” e enriquecem as evidências existentes de que a cultura Casarabe tinha um “sistema de assentamento altamente integrado, contínuo e denso”, escreve Prümers.

Mapa da área de Llanos de Mojos da cultura Casarabe
Mapa da área de Llanos de Mojos da cultura Casarabe
A extensa rede de assentamentos descobertos sob a densa floresta apresenta inúmeras construções cerimoniais elaboradas, incluindo plataformas escalonadas e montículos.

Durante décadas, alguns arqueólogos supuseram que os solos tropicais eram incapazes de sustentar grandes populações e civilizações sofisticadas e urbanizadas, e agora a suposição está mudando. Aqueles que supunham que só existiram tribos reduzidas à última miséria terão que mudar de ideia.

Segundo o arqueólogo Christopher Fisher, da Colorado State University, que não participou dos trabalhos no local, há sinais de que o meio ambiente foi modificado pelo homem e isso fará repensar o que se diz das sociedades antigas da região amazônica e abafa as críticas contra o progresso da civilização brasileira.

“Os restos arquitetônicos nesses locais, incluem pirâmides de terra de mais de 20 metros acima da savana circundante”, escreveu Fisher.

As evidências sugerem que o povo Casarabe estava constituído por agricultores qualificados que transformaram as savanas amazônicas, sazonalmente inundadas, em paisagens produtivas, criando cultivos cujos frutos colhiam enquanto caçavam e pescavam.

No entanto, pouco se sabia como o povo Casarabe construiu estruturas cerimoniais ou organizou seus assentamentos.

Imagens da mesma área com e sem raio laser
Imagens da mesma área com e sem raio laser
Prümers e colegas descrevem dois grandes assentamentos: Cotoca e Landívar, que eram eixos centrais de uma rede regional de locais menores (24 no total) conectados por calçadas ainda visíveis pelo LIDAR.

“Esses dois grandes assentamentos eram conhecidos, mas seu tamanho maciço e elaboração arquitetônica se tornaram aparentes apenas por meio de tecnologia LIDAR”, escreve a equipe.

O povo Casarabe moveu cerca de 570.000 metros cúbicos de terra para construir Cotoca, dez vezes mais terra do que o povo Tiwanaku moveu para construir a maior estrutura encontrada até agora no planalto boliviano, a pirâmide Akapana.

Também construíram fossos e muros para se proteger dos alagamentos de origem pluvial, e amplos sistemas de controle de água para a irrigação e o cultivo de alimentos em quantidade suficiente para sustentar uma grande população.

O layout e a escala dos assentamentos interconectados também sugerem que o povo Casarabe do norte da Bolívia criou uma paisagem social e pública comparável à das culturas andinas mais familiares.

“Esses dados apontam para populações densas, paisagens geradas pelo homem, centros com arquitetura monumental e uma complexa hierarquia de assentamentos”, variando de pequenas aldeias a grandes centros, escreve Fisher.

Isso é significativo porque sugere a existência de classes sociais que não se imaginava na Amazônia, diz Fisher.

No entanto, a partir do momento que se possa descer nos locais, poderão ser encontrados artefatos antigos, que podem fornecer mais detalhes sobre as dietas, estilo de vida e práticas culturais dessas sociedades, conclui ele.

Imagen LIDAR do site de Cotoca, com visualização de relevo
Imagem LIDAR do site de Cotoca, com visualização de relevo
O estudo publicado na revista Nature, revela a existência de grandes pirâmides construídos com terra, sem uso de pedras, obra do povo Casarabe. As estruturas sofreram erosão e foram cobertas por vegetação, mas ainda estão de pé e parte delas foi visitada pelos arqueólogos.

Os assentamentos de tamanhos diferentes estavam conectados entre si por uma rede de estradas e canais. “Supúnhamos que esses sítios fossem grandes, mas quando vimos sua extensão nas imagens de LIDAR ficamos perplexos”.

“Ninguém acreditava que existisse esse tipo de assentamento na região amazônica”, disse Prümers à revista Piauí.

No sítio de Cotoca, a pirâmide mede 22 metros, o equivalente a um prédio de sete andares, além de dezenas de montículos e plataformas menores.

O sítio era protegido por muralhas e conectado à laguna San José por um canal de 7 km de extensão. Estava no centro de uma área de 500 km2, cercado por todos os lados de sítios menores, vários dos quais eram desconhecidos pelos arqueólogos.

Em alguns deles havia reservatórios de água que talvez fossem usados para criar peixes ou tartarugas. Os Casarabe plantavam milho e outros cultivos.

“Se você sobrepuser o mapa do sítio de Cotoca com o mapa de Bonn no século XVII, ambos têm quase o mesmo tamanho”, disse Prümers.

Cotoca visualizada com ângulo
Cotoca visualizada com ângulo
Eduardo Neves, um especialista em arqueologia amazônica da Universidade de São Paulo lembrou que os Tiwanaku – cuja pirâmide foi superada em altura pela dos Casarabe – foram, junto com os Wari, os primeiros povos que, nos Andes, começaram a se organizar na forma de estados.

A arqueóloga norte-americana Betty Meggers e colegas defendia que sociedades complexas podem se desenvolver em ambientes tropicais tanto quanto em qualquer outra parte do mundo.

Em 2008, num trabalho feito em parceria com colegas brasileiros e norte-americanos, o arqueólogo Michael Heckenberger, da Universidade da Flórida, identificou no Alto Xingu o que eles chamaram de uma forma de “urbanismo amazônico pré-colombiano” que possuía centros cerimoniais com grandes praças conectados por estradas a vilas muradas e aldeias.

O primeiro levantamento feito com a tecnologia LIDAR na Amazônia brasileira mapeou sítios do Acre e foi publicado em 2020 pelo arqueólogo uruguaio José Iriarte, da Universidade de Exeter, do Reino Unido, coautor do trabalho publicado na Nature.

Neves suspeita que assentamentos parecidos com os da Bolívia e do Alto Xingu existam na Ilha de Marajó e na região de Santarém, no Pará. “Quando pudermos fazer sobrevoos e ter mapeamentos mais precisos, teremos a confirmação”, afirmou.


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